terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

A religião fast food


A religião fast food

No moderno espetáculo da fé, o que está em jogo é a eficácia do discurso para atrair maior número de fiéis

Se deslocar para um restaurante ou lanchonete de fast food (lanche rápido) é uma experiência cotidiana de milhões de clientes nas grandes metrópoles mundiais. O curto tempo para degustar (ou seria devorar!) os alimentos serve, geralmente, como justificativa para evidenciar a popularização das cadeias de restaurantes que se especializaram nesse tipo de serviço.

Normalmente, come-se um tipo de lanche padronizado, feito com quantidade, tempo e procedimentos igual em várias partes do mundo (exceto pelos tabus gastronômicos existentes em alguns países).

Esse exemplo gastronômico representa a idéia de fordização de uma cadeia produtiva, no caso, aqui, no campo da alimentação, torna-se um exemplo de como essa sociedade se produz em outras áreas também, inclusive no campo religioso.

Podemos utilizar inúmeras definições em relação ao termo religião. Ao conceituarmos a religião como definidora de sentido, temos o termo latino religare, que significa ligar-se a Deus, dando-lhe uma concepção transcendental ao termo. Se as cadeias de lanchonete necessitam atrair uma clientela para o consumo dos seus produtos, a religião necessita, também, de fiéis-clientes que recebam e consumam os bens simbólicos produzidos pelo sistema dentro de uma ótica capitalista, onde o pluralismo religioso se insere num contexto de concorrência religiosa.

O economista escocês Adam Smith, o mais importante teórico do capitalismo, já no século 18, após estudos no campo da teologia, teve a idéia de um "deus mercado", que chamou da "mão invisível do mercado", ao defender o liberalismo econômico, ou seja, a não-intervenção do Estado na economia.

Atualmente, num contexto de extrema competitividade religiosa, os produtores dos bens simbólicos religiosos (sejam um padre, pastor, rabino, pai-de-santo ou quaisquer outros líderes eclesiásticos) devem construir um discurso que agrade e atraia as multidões. Os profetas estão fora de moda por contestar a própria lógica do sistema de competitividade religiosa e, conseqüentemente, do sistema capitalista, e são constantemente marginalizados.

O que importa, do ponto de vista numérico, é fazer um discurso por parte dos produtores dos bens simbólicos religiosos que supram não "apenas" as necessidades espirituais, além da vida terrena, mas também do cotidiano, seja no campo financeiro (enriquecer), da saúde (uma cura) ou na área amorosa (conseguir um namorado ou resolver problemas conjugais). As igrejas ou as religiões que fazem sucesso (as que crescem numericamente) são aquelas que respondem aos nichos de fé-mercado de maneira satisfatória para o fiel-cliente de maneira mais rápida possível.

O que está em jogo é a eficácia do discurso. O discurso de tempos atrás, de "que o fiel que nasce nua religião morre nela" já não é mais verdade. A tradição religiosa perdeu força em contraste com a eficácia do discurso religioso.

No Brasil, um país onde a ausência do Estado é total, do ponto de vista social, para classes baixas, a fé é a única arma para suprir essa falta. As estratégias para atrair esses fiéis mudam. O crescimento dos neopentecostais no campo religioso brasileiro alia o discurso da "teologia da prosperidade", que compreende a riqueza material como sinônimo de fé em Deus, junto com uma inserção midiática, onde a mensagem religiosa tem que ser passada de maneira espetacular.

O que importa é menos as doutrinas religiosas e mais o happening (o acontecimento, a experiência religiosa). Pipocam, assim, os padres in concert na Renovação Carismática Católica, como Marcelo Rossi, Zeca; pastores-shows, como R.R. Soares, Silas Malafaia, Edir Macedo, entre outros, onde o número de fiéis nos eventos religiosos é mais importante do que os objetivos propostos pelas respectivas denominações. Constantemente, a mídia religiosa utiliza o marketing para divulgar o número de fiéis que ocuparam estádios, praças, ginásios para evidenciar a sua capacidade de atrair os religiosos a partir do seu discurso.

A massa de fiéis torna-se sedenta de novidades religiosas e tem que ser saciada. O espetáculo não pode parar! Assim como o cliente que vai numa rede de restaurante fast food tem a sua fome saciada rapidamente, o fiel precisa suprir as suas necessidades espirituais e terrenas de forma mais rápida possível.

Neste supermercado de bens religiosos, os fiéis escolhem os seus produtos de maneira à la carte. Um fiel-cliente quer um pregador incisivo, outro, um animador de auditório, outro, ainda, prefere grupo de coreografias e diferentes estilos musicais, outro, um culto mais tradicional, litúrgico. Nesta individualidade, cada fiel consome uma forma diferente de experiência religiosa em face aos produtos simbólicos religiosos oferecidos. Não é à toa que tem crescido o grupo dos "sem-religião", que representam mais de 7% no último censo do IBGE (2000), formado por indivíduos ou que são ateus ou que têm uma forma de espiritualidade sem a mediação de instituição religiosa. Na prática, isso significa uma religião do self.

Neste sentido, os livros de Paulo Coelho e Lair Ribeiro, na área de auto-ajuda, são exemplos da idéia que a transcendência está dentro de você, pois não necessita o reconhecimento de uma exterior ao ser humano, pois ele se torna o seu próprio deus, produz a própria eficácia do discurso religioso.

Em tempos pós-modernos, onde os discursos totalizantes (seja de partidos políticos, de igrejas, dos estados, dos sindicatos) perderam credibilidade, não é de se estranhar a expansão de uma religião do self, centrado no próprio individualismo.

Entre num drive-thru religioso e monte o seu menu, pois os produtores de bens simbólicos estão lhe esperando e prontos para saciar os seus problemas espirituais-terrenos de maneira mais rápida possível como um fast food. É a mcdonaldização da fé !

Mestre em História pela UFSC

( edpaegle@hotmail.com) )

POR EDUARDO GUILHERME DE MOURA PAEGLE

Fonte:
Diário Catarinense, 02-02-2008 - Caderno de Cultura

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